segunda-feira, 17 de março de 2025

Lacunas da Lei

 

                                                  LACUNAS DA LEI

          Em face de constantes mutações econômicas, políticas e sociais, os Magistrados brasileiros, esporadicamente, enfrentam as lacunas (1) da lei no seu cotidiano.  

           A lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no artigo 4º, estabelece que, quando a lei for omissa, o juiz deve decidir o caso com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais do direito, a fim de pacificar o convívio em sociedade.

          Consoante Kelsen, as lacunas da lei, não são mais do que “a diferença entre o direito positivo e uma ordem melhor, mais justa e mais reta, existente no sonho dos homens, mas absolutamente fora do direito”.

          Na prática, quando julgadas improcedentes as ações, que envolvem as lacunas do direito, as partes prejudicadas poderão recorrer ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal e responsável pela interpretação das normas constitucionais, para garantir que haja uniformidade em julgamentos e que a interpretação esteja consoante a Constituição Federal, pois o STF poderá desenvolver soluções para temas semelhantes (102, Inc.III CF). O recurso adequado é o Extraordinário, ou o Recurso Especial (1035, § 2º CPC), devendo o recorrente demonstrar, de modo fundamentado, a preliminar de Repercussão Geral e, quando essa for reconhecida, o relator do STF, ou do STJ determinará a suspensão de todos os processos pendentes individuais ou coletivos que versem sobre a questão e tramitam no território nacional (1.035, § 5º CPC).       

          Apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica firmada pelo Tribunal Superior,  será aplicada no território nacional a todos os processos suspensos anteriormente (1.040, Inc.III, CPC).

          Segundo Maria Berenice Dias, antes de 2011, ações que buscavam o reconhecimento do vínculo matrimonial afetivo, envolvendo alimentos ou direito sucessório, eram sistematicamente extintas. “A inicial era indeferida por carência de ação por impossibilidade jurídica do pedido, dessa forma, o casamento de pessoas do mesmo sexo era considerado inexistente”. As partes, que pediam o amparo do Poder Judiciário para as suas contendas, envolvendo partilha de bens, filiação, pensão alimentícia, sucessão, responsabilidade civil perante terceiros, direitos reais sobre imóveis, entre outras ações, acabavam frustradas e lesadas, material e emocionalmente. Vale lembrar, que o artigo 1.001 do CPC preconiza, que contra despacho, que determina o arquivamento de petição, não cabe recurso.

                                  Exemplos de lacunas preenchidas

 a) União civil entre pessoas do mesmo sexo (RE 477.554 MG, 2011/ ADI 4277 e ADPF 132). O STF reconheceu a repercussão geral, por se tratar de questão de relevância social e jurídico-constitucional pertinente às uniões homoafetivas e ao final o recurso foi provido. Primeiro foi vitorioso o tema envolvendo a entidade familiar e na sequência a união estável e o reconhecimento da conversão desta em casamento, bem como a habilitação direta. O STF equiparou as uniões estáveis homoafetivas às heteroafetivas (226 CF). Foi uma “decisão com efeito vinculante e se estende para toda a sociedade”.

Está tramitando na Comissão da Câmara o Projeto de Lei  580/07, com vários projetos apensados, que versa sobre casamento homoafetivo, visa dar aos casais do mesmo sexo direitos iguais àqueles concedidos aos casais formados por um homem e uma mulher. Em 14/11/2024, esse Projeto de Lei  foi aprovado pela Comissão da Câmara, reforçando o entendimento do STF de 2011 e atualmente (2025) está seguindo seus trâmites legais.

b) “Canabidiol” (RE 1165959/SP, Tema 1161): A repercussão geral foi reconhecida. Em 18/06/2021, o relator do STF julgou o recurso com base na Constituição Federal, artigos 227 e 196, referindo, que a saúde é dever do Estado: “Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela Agência de Vigilância Sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente e imprescindibilidade clínica do tratamento e, a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS”. A sentença transitou em julgado em 01/04/2022.

  Em 13/11/2024 o STJ julgou o Recurso Especial 2024250/PR e por unanimidade decidiu que, “permitir o cultivo de uma variedade da planta “cannabis sativa”, o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0, 3%, porquanto inapto à produção de drogas”, com baixo teor da substância psicoativa, “desde que exclusivamente para fins medicinais, incumbindo à ANVISA e à União, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas”.

c)Cannabis Sativa” - (RE 635659, Tema 506) O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral e no julgamento de 15/02/2025, foi estabelecendo que, “o porte de até 40g de “cannabis sativa” para consumo próprio não configura infração penal, porém o porte de até 40 gramas continua sendo ilícito, mas deixa de ser tratado como crime”. A conduta é considerada um ilícito administrativo: “O ato de consumir “Cannabis Sativa”, pressupõe a aplicação das sanções de advertência e medida de comparecimento a programas, ou curso educativo”.

d) Terceirização Trabalhista - Para suprir a falta de norma legal, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 331, que na época passou a regular o nosso ordenamento jurídico. RE 635546/MG, Tema 383 - O Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do RE, em 19/05/2021. O recurso foi provido e foi reconhecida a existência de inconstitucionalidade na Súmula 331 do TST. A tese foi fixada com o seguinte teor: “A equiparação de remuneração entre empregados da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada (terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa por se tratarem de agentes econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que não são suas”. A decisão transitou em julgado em 09/02/2024.

e) Desaposentação - (RE 661256/SC, 827833/SC Tema 503) Ressalta-se que, algumas questões recorridas restam vitoriosas e outras, ficam pendentes. Podemos citar a desaposentação, que teve a repercussão geral reconhecida por maioria de votos, porém o STF no âmbito do Regime Geral de Previdência Social proferiu, que “somente lei pode criar benefícios e vantagens previdenciárias, não havendo, por ora, previsão legal do direito à desaposentação”.

Essa decisão vinculou a desaposentação à criação de uma lei específica pelo Poder Legislativo. Recentemente (2025), a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 2567/11, que regulamenta a desaposentação no Regime Geral de Previdência Social. A proposta permite que “aposentados que continuaram a contribuir por mais 60 meses possam renunciar à aposentadoria anterior e solicitar um novo cálculo do benefício”. Enquanto isso, a Comissão do Idoso aguarda a análise do projeto pelas outras comissões: Finanças e Tributação e Constituição e Justiça e de Cidadania para posteriormente seguir para o Plenário da Câmara. “Caso aprovado, deverá ser sancionado pelo Presidente da República para virar lei”.

                                            Referências:

1 A palavra “lacuna” representa falha, omissão, vazio. Exprime, assim, o que não está previsto, não foi consignado ou não foi estabelecido. Silva, De Plácido E, Vocabulário jurídico, Rio de Janeiro, Forense, 1989. 

DIAS, M.B. https://berenicedias.com.br/homoafetividade-unioes-homoafetivas.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 2. ed. Coimbra : Armênio Amado, 1962.

Senado Federal, https://www2.senado.leg.br 

Superior Tribunal de Justiça, https://scon.stj.jus.br/SCON/             

                                              Rosa Maria Boenny Kaspary

                                           Pesquisadora, Advogada, Poetisa   

        SONETO DESREGRADO

                               Rosiê Boenny

As turbulências, que rondam nos ares

Parecem empecilhos, bloqueando batalhas

Será, que o universo sustenta os pilares

Com distorções, que servem de muralhas?

 

Buscar subterfúgios, promove retrocessos

Equívocos crassos, impõem soluções

A imparcialidade equilibra os excessos.

Que a paz coletiva abrace as Nações!

 

Aqueles, que elevam a sua energia

Conseguem sentir a paz interior

A oração sintoniza a harmonia

 

Fonte genuína, que expulsa o rancor

Clareia a verdade, sem demagogia

É essência sagrada do Deus de amor!