domingo, 16 de julho de 2017

PADRE JESUÍTA MIGUEL KELLNER



                                     (Escrita do Pe. Kellner - registros de 1871) 
                          Homenagem Póstuma ao Pe. Jesuíta Michael Kellner    

O Padre Jesuíta Miguel Kellner veio ao Brasil em 1849, recém formado pela Faculdade de Teologia de Munique da Baviera (Alemanha), atuou de 1849 até 1863 em São José do Hortêncio/RS, como Padre adjunto do Pe. Jesuíta Sedlak. Era um coadjutor jovem, apto para a missão, por isso foi destinado  para atender as capelas mais longínquas do Vale do Caí e Encosta da Serra. Visitou as capelas a cavalo, por estradas de chão perigosas e muitas vezes lamacentas, enfrentou intempéries, frio,  animais selvagens e em suas andanças fez amizade com indígenas.
De 1863 a 1870, foi padre vigário da “freguesia” de São José do Hortêncio. De 1866 a 1869, cumulou os cargos de vigário e de  Superior dos Missionários Jesuítas do Sul do Brasil. Em 1871 foi nomeado primeiro Vigário de Montenegro, cargo que exerceu até 1879.
À época, havia carência de padres preparados para o ofício de coadjutor, pois além da capacidade de entender e falar diversos idiomas, precisavam ser corajosos para andar por estradas cercadas pelo mato, ter habilidade e resistência física para encarar longas distâncias a cavalo, bem como saúde estável para enfrentar o frio e as intempéries. Na qualidade de padre vigário, oficiou ao seu superior, Dom Sebastião Dias Laranjeira, bispo de Porto Alegre, solicitando o suprimento de vagas de coadjutores para locais de difícil acesso, em especial à Encosta da Serra, habitada por imigrantes germânicos, italianos, austríacos, suíços, poloneses e sírios.
       Em 01 de agosto de 1874, o Pe. Miguel Kellner noticiou ao seu superior sobre o alastramento da varíola na região, principalmente entre os índios. Referiu a necessidade do exercício da caridade e da ajuda espiritual. As pessoas, que não haviam se contagiado com o vírus, evitavam sua aproximação dos enfermos e dos que pereceram. O Vigário justificou também, que os indígenas “ficaram só ao cuidado do padre, abandonados de quase toda ajuda humana. Deus faça frutificar tantos atos de bondade e misericórdia realizados”.1
      Padre Miguel Kellner também recepcionou as levas de imigrantes italianos, que aportaram em Montenegro, a partir de 1874. Em 01 de agosto de 1876, ainda na qualidade de pároco, redigiu outra correspondência ao seu superior, manifestando compaixão e preocupação com o isolamento, para colônias distantes, de cerca de 300 imigrantes europeus, do Tirol meridional, Suíça francesa e Itália, maioria católicos. Referiu, que o grupo permaneceu na praça da matriz de Montenegro, durante quatro meses (aguardando a liberação dos lotes da região de Garibaldi e Bento Gonçalves). Nesse interregno, foram assíduos frequentadores das missas. “Lamentamos muito que foram para regiões incultas e longínquas para derrubar mato. Às vezes eles vem de lá, com grandes sacrifícios”.2
       Na qualidade de Padre vigário, participou de missas especiais e  festivas. O escritor Campos Neto, autor da obra “Montenegro”, registrou detalhes de uma missa festiva de crisma, ocorrida em 1873, na Capela Nossa Senhora da Purificação de Bom Princípio, capela pela qual Pe. Kellner respondia como pároco. No início da solenidade uma tropa de mais de sessenta cavaleiros tocavam diversos instrumentos musicais, enquanto cavalgavam. Os fiéis conduziram Dom Sebastião Dias Laranjeira, bispo de Porto Alegre, juntamente com Padre Kellner, à luz de archotes, até a capela para a celebração da missa solene, que foi acompanhada pelo coral da comunidade. Já dentro da igreja, “que de longe parecia toda em fogo, ouviu-se muitos tiros de uma peça de artilharia sem carreta, que os mancebos da colônia carregavam de munição”.3
Em 1880, com 57 anos de idade, Padre Kellner voltou ao cargo de coadjutor, em São Sebastião do Caí, com a missão de atender as capelas da encosta da serra. Para ficar mais próximo da região colonial, fixou residência na Estação Missionária, junto a Capela da Purificação de Bom Princípio.
Exerceu a antiga atividade por pouco tempo, pois no dia 02 de janeiro de 1883, após as confissões realizadas na Capela de Picada Cará (Feliz), deslocou-se a Bom Princípio, a cavalo, para cumprir outra sessão de confissões. Ao realizar a travessia, próximo ao “passo” do Selbach não conseguiu vencer a correnteza, resultando em sua morte trágica. No  local, entre Escadinhas (Feliz) e Bela Vista (Bom Princípio), foi edificada uma placa de concreto em sua memória. 
Na história do Vale do Caí, há dois registros de afogamentos de jesuítas. O primeiro a sucumbir nas águas do rio Caí foi o Pe. Miguel Kellner (Michael), em 1883, reverenciado na capela Bela Vista e o segundo afogamento ocorreu em 1895, vitimando o Pe. João Batista Ruland (Johann), reverenciado no cemitério da  Capela Santo Inácio de Morro das Batatas/Alto Feliz (RS).



Obs. Após a leitura de um texto sobre os jesuítas do RS, onde foi mencionado o Padre  Miguel Kellner como coadjutor, sem mais referências, passei a pesquisar para saber mais sobre a vida dele. Foi gratificante, pois nessas pesquisas descobri que meus bisavós e trisavós contribuíram com suas habilidades, adquiridas na Europa, para a instalação dos pioneiros imigrantes do Vale do Caí e Encosta da Serra: meu bisavô materno (Capitão Wenceslau Wartha), austríaco, foi capitão da guarda nacional de Montenegro e Garibaldi e subintendente de São Vendelino; meu bisavô paterno (Jacob Barth), filho de imigrantes alemães, carreteiro, auxiliou na condução de mercadorias e bagagens dos imigrantes italianos, do Porto Guimarães de S.S. do Caí a Nova Milano/Vicenza; meu trisavô materno (Prof. Otto Frederico Kronitzky), polonês, era professor e dirigente de coral em Bom Princípio e São Vendelino, meu trisavô paterno (Capitão Carlos Scheider), imigrante austríaco, agrimensor imperial, mediu  as terras da Colônia de Rio Novo (ES) e por volta de 1874 mudou-se com a sua equipe a São Vendelino (RS), para a medição dos lotes da terceira colônia (Garibaldi e Bento Gonçalves) para a instalação dos imigrantes italianos e por fim,   entre diversos documentos analisados e obras lidas, constatei, que minha bisavó materna, Catharina “Kellner”, austríaca, era prima do padre Miguel Kellner. Gratidão!

Rosa Maria B. Kaspary
Pesquisadora   

1- SHOHR, SJ, Padre Inácio. Montenegro -  Província do Brasil Meridional da Companhia de Jesus – Paróquia São João Batista. Porto Alegre: BRB, 1895, p.7 e 10.
2- CAMPOS NETTO, José Cândido de. MONTENEGRO. Reeditado em 2014. Montenegro: Irmãos Gehlen, 1924, p.339.
3 -Livro de Batismos nº 1,  Montenegro, Paróquia São João Batista. 
4- Montenegro de Ontem e de Hoje, KAUTZMANN Maria Eunice Müller, 1978.